segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A grande obra de Miklós László

Miklós László (Nicholaus Leitner)* escreveu em 1937, na Hungria, provavelmente, uma das obras mais famosas e mais adaptadas do século XX: Illatszertár. Nos Estados Unidos a peça ficou conhecida como Parfumerie. 

A sua primeira adaptação para o cinema é, até hoje, a melhor. Em 1940 Samson Raphaelson --roteirista de filmes como Trouble in Paradise (1932), Suspicion (1941) e Heaven Can Wait (1943)-- escreveu o que eu considero como um dos melhores roteiros da história do cinema: The Shop Around the Corner. Além de ter um ótimo roteiro, escrito por um dos mais competentes roteiristas, a direção foi de Ernst Lubitsch, um dos melhores diretores da história de Hollywood, Lubitsch dirigiu filmes clássicos tanto na era muda, como já nos talking pictures. 

O que faz de The Shop Around the Corner tão superior às outras adaptações de Parfumerie é a habilidade de Raphaelson e Lubitsch em criar uma história não apenas sobre um casal que se odeia, contudo secretamente trocam cartas de amor entre si como penpals anônimos, mas também um pequeno universo onde cada personagem tem sua importância: Kralik, Novak, Matuschek, Vadas, Pirovitch e Pepi --cada um deles tem uma importância na história. As únicas personagens que não são desenvolvidas são a Ilona e a Flora. Um roteiro que consegue colocar tantos personagens numa história concisa é algo sensacional. Kralik ama/odeia Novak, que ama/odeia Kralik, que é culpado por Matuschek de ter um caso com a sua esposa, que na verdade o está traindo com Vadas. Enquanto isso Pirovitch tenta ajudar Kralik, mas sem querer perder o seu emprego e Pepi tenta subir na carreira e é o alívio cômico do filme. Essa interação dos personagem é algo extremamente importante na obra de Laszlo originalmente, e que Raphaelson soube levar à grande tela, com uma execução sublime de Lubitsch. Outras adaptações de Parfumerie focam apenas na relação de Kralik/Novak, muitas vezes empobrecendo a trama.

Em 1949 a história é novamente adaptada no filme In the Good Old Summertime. Das três adaptações para o cinema essa é a pior, embora esteja longe de ser um filme ruim. O filme foca muito na relação entre Garland e Van Johnson, relegando à um papel terciário os outros personagens. Buster Keaton, sempre engraçadíssimo, serve de alívio cômico neste filme. Como esse filme é um musical feito para Judy Garland, obviamente há a troca de cenário de uma loja de presentes para uma loja de instrumentos musicais, e o filme se passa nos EUA ao invés de na Hungria, o que faz perder um pouco da "magia" do cenário "leste-europeu" do seu antecessor.

Em 1998 Nora e Delia Ephron adaptam o roteiro de Samson Raphaelson para o moderno "mundo virtual" em You've Got Mail. O filme é extremamente bem sucedido nisso. Uma grande diferença desse roteiro para o de Raphaelson é que desde o início é mostrado para o espectador a relação entre os protagonistas, enquanto no de 1940 isso é explorado mais à frente do filme. Outra diferença é que enquanto o personagem de suporte para o protagonista masculino no filme de 1940 tem uma importância no filme, no de 1998 ele é descartável. Porém as irmãs Ephron conseguem utilizar a família de Joe Fox (o pai e o avô) como exemplos de romances mal-sucedidos que fazem com que ele tente ainda mais encontrar um "amor verdadeiro". Neste filme são prestadas singelas homenagens ao filme original (o nome da loja de  Kathleen Kelly é "The Shop Around the Corner", e o local de encontro entre os protagonistas se dá no Café Lalo, em homenagem a Laszlo).

Outras adaptações

Em 1941 The Shop Around the Corner foi adaptada para o rádio. Em 1963 virou o musical da Broadway She Loves Me. Em 2002 o roteiro de Raphaelson foi adaptado para a peça francesa La boutique au coin de la rue.

Linha do Tempo

1937 - Illatszertár estreia na Hungria
1940 - O filme The Shop Around the Corner é produzido
1941 - A versão para rádio de The Shop Around the Corner é produzida
1949 - O filme In the Good Old Summertime é produzido
1963 - She Loves Me é encenada na Broadway 
1964 - She Loves Me é encenada em West End (Inglaterra)
1978 - A BBC encena She Loves Me para a televisão
1987 - É lançado o CD de She Loves Me
1993 - É encenado o revival de She Loves Me na Broadway
1994 - É encenado o revival de She Loves Me em West End (Inglaterra)
1998 - O filme You've Got Mail é produzido
2002 - La boutique au coin de la rue é encenada em Paris (França)
2009 - Parfumerie é encenada pela primeira vez nos Estados Unidos e no Canadá

--

Nota:

*O nome de László, em si, é uma história à parte. Quando nasceu na Hungria em 1903, ele era de ascendência germânica, mas todos os de ascendência não-húngara tinham de adotar um sobrenome húngaro. Asim ele foi batizado Leitner László Nicholaus (na Hungria os sobrenomes vêm à frente do prenome). Quando da sua chegada na América ele adotava o nome de Nicholaus Laszlo, e assim foi creditado no filme The Shop Around the Corner em 1940. Porém, para ser aceito na comunidade húngara de Nova York ele adotou o nome de Miklos Laszlo quando da sua naturalização em 1944. E assim ele é referenciado até hoje.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Cursinho versus curso

Hoje é véspera do ENEM e eu estava assistindo um "aulão de véspera" através da internet feito por um grande curso aqui no Rio no Centro de Convenções Sul-América[1]. Eu nunca fiz ENEM, quando entrei na vida acadêmica os vestibulares ainda estavam em semi-extinção, e eu os preferi fazer do que fazer o ENEM, hoje no Rio apenas a UERJ ainda adota o sistema de vestibular[2].

Desde que eu estava no Ginásio (antiga 5ª-8ª Séries, hoje 6º-9º Anos) eu percebia uma clara diferença entre professores de cursinho e os professores de colégio. Essa percepção, para mim, consolidou-se durante a graduação. Professor de cursinho quer que você decore, professor de colégio/faculdade quer que você aprenda. Parece uma pequena diferença, mas isto muda completamente a filosofia do ensino.

Conversando com alunos do Ensino Médio desde que eu mesmo era um Estudante do Ensino Médio, percebo a "fascinação" que o estudante tem com o professor do cursinho, que ensina de uma forma "divertida", usa "macetes" (alguns com um bom gosto questionável)[3], usa "piadas" e que não exige muito do estudante cognitivamente, exigindo apenas uma decoreba. Algumas críticas são extremamente válidas: o ensino curricular deve ser mais interessante para o aluno, mas a própria essência do ensino curricular impede várias práticas usadas pelo professor do cursinho.

Como já dito, pela finalidade do cursinho ser enfiar fórmulas e conceitos na cabeça do estudante, ele deve recorrer a "truques mentais", sendo o mais comum o da associação: associa-se as fórmulas com historinhas/anedotas/músicas para tornar a impressão dela na mente mais fácil. Todavia, no ensino curricular o professor quer que você raciocine e entenda as fórmulas. Eu mesmo, por entender a lógica por detrás das fórmulas, ao esquecer uma fórmula, conseguia "desenvolvê-la" em algumas linhas e daí a usava no cálculo. Por essa diferença é mais fácil (e interessante) o aluno aprender que S=So+V.t é "super sorvete", do que como uma simples conclusão lógica de que a distância percorrida total por um objeto a partir de uma origem, é a distância dele da origem, mais a distância percorrida por ele (como a velocidade de mede em unidades de distância/tempo, se multiplicar essa unidade pelo tempo, tem-se a distância, com o tempo sendo cancelado na multiplicação), ou seja, a distância de qualquer coisa referente a um ponto qualquer é a distância original referente ao ponto, mais a distância percorrida referente ao ponto. Mas para uma prova que irá ocorrer em menos de 24h, "super sorvete" é mais eficiente.

Isso é causado, principalmente, pela nossa mente descontínua, na qual damos tanta importância para uma prova na qual uma pessoa que apenas decorou diversas fórmulas pode tirar uma nota maior do que quem realmente entende a lógica por detrás das questões [4].

Será que esta é a melhor maneira de medir o conhecimento de alunos? Isso é quase unânime que não, mas essa é a forma mais eficiente que temos. Por muito tempo ainda teremos esse problema em conseguir medir realmente o conhecimento de um aluno.

--
Notas

[1] Para que mora no Rio, ou para quem já visitou, fica claro o tamanho dessa classe, pois esse é um dos maiores Centros de Convenções da cidade.

[2] É algo óbvio que uma universidade estadual adote o sistema de vestibular, pois esse sistema tende a restringir a entrada de estudantes aos cidadãos do Estado, enquanto o ENEM abre as portas de qualquer universidade para todos os brasileiros, o que faz mais sentido para uma universidade federal.

[3] Uma lista de macetes pode ser consultada em: http://www.vestibular1.com.br/turbinando/tub4.htm

[4] Um ótimo vídeo no qual um Doutor em Biologia pela USP explica a nossa mente descontínua pode ser visto neste link: https://www.youtube.com/watch?v=m_LsMe4XWmA